Pés Descalços Na Pedra Quente


SULINA EDITORA

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Sem Encomenda

Amarildo Veiga é poeta, um desses que lavram o cotidiano à procura de alguma coisa indescritível e luminosa. Pés descalços na pedra quente é poesia em estado natural. Como em tudo neste mundo da propriedade privada, cercaram a poesia com arame farpado e declararam-se donos do campinho. Quem fez isso? Autodenominados críticos literários, especialistas, poetas modernos, etc. Onde cresce a modernidade, essa erva daninha alucinógena, crescem também as cercas do pretenso bom gosto. A modernidade é o antropocêntrico narcísico, o progresso e a certeza do futuro redentor. No Brasil, a poesia só ganha certidão de existência se tiver humor, humorzinho, uma sacadinha na última hora, no êxtase. Ela foi tão constrangida que não vai além do sussurro, tão coloquial que não passa de prosa sem ir até o final da linha, tipo “meu pai foi ao cinema/eu não fui”. E daí? Esse “e daí?” seria a poesia. O efeito poético. Amarildo anda no encalço da vida: “teu riso ao contrário/a derramar nos paralelepípedos”. A vida, porém, é uma desvairada que se esconde no desvão das escadas, no meio da multidão que dobra as esquinas sem saber para onde vai, enfim, nas dobras do mundo, que são tantas a ponto de não caber em GPS. Poesia é algo que não se mensura, em que não se coloca tornozeleira eletrônica, que não se prende pela palavra certa, palavra empenhada, palavra escandida, essas coisas que faz todo poeta quando perde o sono e não tem Rivotril em casa para as emergências noturnas e os acertos de contas com a dor dos milênios.“Nos signos inseridos nos portais da antiga cidade/o que mais reverbera é o teu nome”, escreve o poeta Amarildo. Todo nome cabe nessa reverberação, inclusive o da poesia. Afinal, poeta é quem desafia o regime das contas, o sistema das normas, a hierarquia estética, a cor das sílabas, a alquimia dos versos. Poeta é quem larga tudo e vai traficar palavras. A pena do poeta é não ter embargos declaratórios nem infringentes. Só lhe resta, como Amarildo Veiga, anunciar: “Minha arma minha vida/A morte é tua”. Morre a poesia quando alguém a coloca no livro de honra da arte.
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