Terra do Nunca e Outros Desencaixes

PLIGHER, BRUNA
URUTAU EDITORA

50,00

Estoque: 4

Diz-se que o número quatro representa ordem e harmonia, isso no plano espiritualista e outras quimeras. Mas, na escrita mínima de Bruna Pligher, na qual é o rés-do-chão que interessa, o número quatro soa simplesmente como o apoio necessário para que uma superfície — como a tessitura das palavras — se sustente por si mesma. É o caso deste livro de estreia e seus quatro dramas, reluzentes como as últimas lantejoulas que teimosamente restaram pregadas num figurino outrora fabuloso e feérico, agora esquecido no porão de um pequeno teatro falido. Mas igualmente, em Pligher, quatro poderiam ser os pés de uma mesa, uma mesa qualquer, se bem que nunca uma de centro. Ou talvez seja mais justo pensar nos quatro pés de um banco, um banquinho bem pequenininho. Isso porque a dramaturga não somente é generosa no uso dos diminutivos — procedimento tido como literariamente arriscado, e aqui elevado ao virtuosismo —, como os injeta na própria medula da sua carpintaria cênica. Pligher gosta mesmo é do humano no humano. Assim, nestes quatro dramas não há nem aquém nem além-homem: o que há, de sobra, é o nada-mais-que-humano, o humaninho. Nessa categoria poética de humaninho, portanto, uma pessoa pode ser vista da mesma perspectiva que Leonel vê Margot, na terceira peça do livro: “meio angustiada, meio gostosa”. Não é toda uma metafísica do sujeito que se exibe aí, em meio a um programa televisivo chinfrim de tretas conjugais? Quando Pligher abre as cortininhas do seu mini-palco, damos de cara com um desfile carnavalesco de pesadelos, construídos a partir da mais mísera miséria humana, procedimento artístico cujo movimento parece ser o de chafurdar insistentemente na superfície do lugar-comum, até que este se aprofunde numa feridinha que, se nunca é fatal — afinal estamos falando da tradição da comédia, e não da tragédia —, é permanentemente incômoda. E se por vezes, lendo-a, sentirmos um quê de stand-up comedy ou do recente humor das redes sociais, não estaremos enganados. Pois é por meio de um prosaísmo rasteiro e de certos clichês universais que Pligher expõe uma humanidade singular, redimida por sua própria falência: nunca haverá uma Terra do Nunca. O que resta, e o que, em suma, nos fascina, é surpreender-nos dando um riso solitário e interior, tão gostoso quanto angustiado. Daniel Guerra
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