A Próxima Será de Vez

FIGUEIRA, GUILHERME
FOCO EDITORA

60,00

Sob encomenda
13 dias


O livro de Guilherme Figueira começa descrevendo o velório de um pai de família. Ao contrário da expectativa sugerida pelo cenário, o tom da narrativa se esquiva à solenidade: (…) “não eram muitos os presentes na cerimônia, e Miguel não deixava de pensar nisso, de forma irritada, no que considerava um sinal de desprestígio do morto. Pode-se questionar se é possível um morto sentir-se prestigiado ou não, mas esse era o sentimento de Miguel (…)”. Como o leitor pode ver, essa ficção começa sob o signo da ironia. Segue-se uma espécie de descrição antropológica de um ritual fúnebre. A capela onde é velado o defunto, as capelas vizinhas etc. E, em meio a essa etnografia ficcional, emergem os personagens que compõem a família do morto. A princípio, o cenário parece se sobrepor aos elementos humanos. A ironia, por sua vez, continua a se insinuar nas frestas do texto: “Carlos tinha noventa anos. Morreu dormindo, como tantas pessoas sonham em morrer, se é que tantas pessoas sonham em morrer.” A narrativa minuciosa de Guilherme Figueira faz pensar que será sempre movida por essa ironia, e que seus personagens serão figuras vagamente humanizadas, fantasmáticas, como em alguns exemplares do nouveau roman dos anos 60. No entanto, seus personagens ganham matizes. São pessoas comuns, pertencentes a uma família de classe média, vivendo uma vida comum. E eis que se deparam com o acontecimento mais comum e inevitável da vida: a morte. Cada um dos filhos do morto emerge do papel com uma personalidade que se delineia aos poucos. É um álbum de família, com figuras contrastantes, arquetípicas. Depois do cenário inóspito do cemitério (num paradoxo semântico: como chamar de inóspito um lugar onde há tantos hóspedes?), a cena se transfere para o apartamento da família, onde se discutem os termos da partilha. Em uma das aberturas mais famosas da história da literatura, Tolstói afirma que “todas as famílias felizes se parecem, mas cada família infeliz é infeliz à sua maneira.” Na hora da partilha, porém, todas as famílias felizes e infelizes se parecem. E os filhos do morto ilustre debatem suas convicções a respeito dos bens deixados pelo falecido. O leitor imagina que irá se deparar apenas com os conflitos inerentes à circunstância. Mas Guilherme Figueira surpreende. Apesar de ancorada no cotidiano, irrompem de sua narrativa lampejos de poesia. Não vou enumerar exemplos: a descoberta fica por conta do leitor. Posso adiantar que, entre suas muitas virtudes, o livro escapa das tentações do clichê e do anedótico. E assim permite que mergulhemos com ele na matéria-vida de que é feita a condição humana. Geraldo Carneiro
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